Resgatando nossa história com Dr. Murilo Martins

28 de janeiro de 2009 - 18:17

 
José Murilo de Carvalho Martins
é referência quando se fala em Hematologia no Ceará. Ele foi o precursor na criação de cursos e preparação de recursos humanos para atuar nesta especialidade em nosso Estado. Foi Dr. Murilo Martins também o responsável pela instalação do ambulatório e enfermaria de Hematologia do Hospital Universitário Walter Cantídio. E, para o Hemoce, essa figura ilustre, tem importância ímpar, por ter se dedicado a esta instituição desde a idéia de sua concepção até os dias de hoje. 

ENTREVISTA COM DR. MURILO MARTINS

Publicado no Informativo do Hemoce, Edição 34, ano IX.

Hemoce – Como se iniciou a política de sangue no Brasil?
Dr. Murilo Martins – A partir da década de 70, o Brasil começou a perceber que precisava ter uma maior atenção com o sangue que era coletado e transfundido no país. Além de não haver uma seleção adequada de doadores de tal maneira que algumas doenças que eram transmitidas pelo sangue, a hepatite, por exemplo, passaram a ser um problema Nacional; muito do sangue, que poderia também estar contaminado, era desviado para a indústria em detrimento da própria necessidade de transfundi-lo em pacientes.
O Governo Brasileiro verificou que este problema acontecia principalmente na baixada fluminense. Nesta região, havia uma comercialização do sangue e o doador não era bem selecionado. O doador era escolhido pelo seu interesse em vender seu sangue. A complicação disto estava no fato de que sendo o sangue vendido, não se tinha nenhum controle de quem estava doente ou não, e desta forma, quem estava doente, acabava piorando. E quem iria tomar conta desses doentes? O próprio Governo.
Para evitar que o número de pessoas doentes crescesse cada vez mais o Governo Brasileiro convidou um especialista francês, Pierre Cassaux. Caussaux veio ao Brasil para fazer um levantamento da situação hemoterápica do país. Após esse diagnóstico, através de um convênio entre esses dois países, as coisas começaram a tomar outra direção.
Em 1980, o Brasil criou o Programa de Sangue, cujo primeiro diretor foi o Dr. Luiz Gonzaga, de Recife. Esta reunião foi muito importante para o futuro do sangue no Brasil. Naquela época, o Ministério da Saúde servia apenas para fazer grandes campanhas de saúde, mas não tratava da saúde em si. Quem tratava mesmo da saúde era a Previdência. Entretanto, com o tempo, esse quadro começou a mudar e o Ministério da Saúde assumiu o papel de desenvolver os programas de saúde e a Previdência passou a trabalhar benefícios sociais.
Assim, o ProSangue passou a ser órgão do Ministério da Saúde e começou a tentar mudar a história do sangue no Brasil. Para se ter uma idéia, no final da década de 70 e inicio dos anos 80, apenas 5% dos bancos de sangue eram do Governo. A maioria deles eram particulares e tinham finalidade lucrativa. E quem tem finalidade lucrativa não estava interessado em formar pessoal, não está interessado em criar diretrizes do sangue, isso é função de Órgão Governamental. Então o que fez o pessoal do ProSangue? Buscou criar as diretrizes para a política de sangue no Brasil. Cuja primeira diretriz passou a ser fornecer sangue de boa qualidade para a população brasileira de tal maneira que o sangue doado não fizesse mal a quem receba nem a quem doa. E, para conseguir atingir este objetivo era preciso treinar pessoal no país todo e assim foi feito.

Hemoce – Quais foram os primeiros hemocentros públicos criados no Brasil?
Dr. Murilo Martins – O primeiro criado, que eu me lembro bem, foi o do Rio de Janeiro. O Hemocentro do Rio de Janeiro, que naquela época se chamava Instituto de Hematologia Artur Siqueira Cavalcante. Tinha também um outro centro pequeno de hematologia no Rio Grande do Norte e Pernambuco também já tinha, no Hospital Osvaldo Cruz, um banco de sangue de qualidade.

Hemoce – Qual foi a importância da criação de um hemocentro para o Estado do Ceará?
Dr. Murilo Martins – Foi muito importante. Afinal, nós passamos a ter um Hemocentro, que queira ou não queira, tinha como principal função prevenir doenças. Com a criação do Hemoce, o sangue de todos os doadores passaram a ser testados por vários tipos de exames, o que, de certa forma, contribuía para que não aumentassem o número de doenças na hora de se transfundir o sangue. No caso da AIDS, por exemplo, que no ano de 1984 já chegava ao Ceará, se você considerar que o sangue pode ser fracionado em até três partes, em cada transfusão nós evitávamos três aidéticos.

Hemoce – De onde surgiu a idéia do nome Hemoce?
Dr. Murilo Martins – Como já existia o HEMOPE, eu tive a idéia de colocar o nome do nosso banco de sangue de HEMOCE, deixando a última sílaba caracterizar o nosso Estado. Apesar de a princípio, algumas pessoas acharam que o nome era feio, que não funcionaria, com o tempo percebi, todos os outros bancos de sangue públicos do Brasil estavam seguindo a mesma linha: Hemopi, Hemopa, Hemoba, entre outros. Isso foi interessante porque se criou uma identidade entre os hemocentros públicos do Brasil.

Hemoce – Quais os maiores desafios enfrentados pelo Hemoce após ter entrado em funcionamento?
Dr. Murilo Martins – A principio, as pessoas não acreditavam muito no Hemoce. Mas, com o tempo fomos provando que éramos uma instituição séria e qualificada. Para atrairmos doadores, começamos a fazer diversas campanhas. Com a ajuda de pessoas que trabalhavam em empresas, conseguíamos fazer campanhas escritas com os dizeres “Doe sangue no Hemoce”. Como no início não havia captação de doadores, quem fazia propaganda éramos Dr Ormando Campos e eu. Nós íamos a vários locais explicando o que era a doação de sangue.

Hemoce – Como se difundiu a doação de sangue no interior do Estado?
Dr. Murilo Martins – Nós começamos a notar que enquanto em Fortaleza tínhamos um banco de sangue particular e o Hemoce, no interior não tínhamos nenhuma estrutura para doação de sangue. Então, nós começamos a visitar alguns municípios como Aracoiaba e outras cidades próximas. E desenvolvemos a idéia de que não era preciso o doador vir a Fortaleza, nós mandaríamos coletar sangue em sua cidade. Foi um grande passo. Começamos coletando sangue, depois passamos a organizar banco de sangue e a treinar pessoal qualificado. A partir daí, foi que me veio à idéia de criar hemocentros no interior, primeiramente os de Crato e Sobral, por estarem mais distantes de Fortaleza. E mais adiante vieram os Hemocentros de Iguatu e Quixadá.

Hemoce – Quando comparado com outros hemocentros no Brasil, em quais aspectos podemos dizer que o Hemoce se destaca?
Dr. Murilo Martins -Por conta de termos definido desde cedo que o Hemoce tinha como grande função a de preparar pessoal, em pouco tempo saímos de uma condição não favorável quando comparado a outros Hemocentros no Brasil para estarmos entre os seis melhores.