Orientações aos profissionais de saúde
1. Visão Geral:
A Doença Falciforme (DF) é uma hemoglobinopatia causada por uma alteração genética, que acarreta a produção de um tipo de hemoglobina chamada de hemoglobina (Hb) S. Quando desoxigenada, a HbS passa por um processo de polimerização, levando à deformação ou falcização das hemácias, que passam a apresentar forma de foice. Tal deformação traz prejuízo à circulação sanguínea e acarreta crises vaso-oclusivas (VOC) e disfunções orgânicas, que acarretam diversas complicações agudas e crônicas.
O termo doença falciforme engloba pacientes com os seguintes tipos de Hb: Hb SS (anemia falciforme), Hb SC, Hb SD, Sβº talassemia e Sβ+talassemia.
As complicações agudas da DF são associadas a alta morbidade e mortalidade. Possuem condutas específicas que são fundamentais para a recuperação do paciente.
2. Medicamentos
Os pacientes com DF devem usar ácido fólico pela condição hemolítica crônica. Muitos pacientes também utilizam hidroxiureia (HU) com o intuito de aumentar a hemoglobina fetal, diminuindo a chance de crises VOC. Algumas vezes, pode haver mielotoxicidade pela HU (atentar em casos de piora da hemoglobina, neutropenia e/ou trombocitopenia).
3. Transfusão
A transfusão de concentrado de hemácias nesse grupo de pacientes possui determinações específicas. Se houver indicação de transfusão, todos devem receber hemocomponentes fenotipados e desleucocitados.
4. Principais complicações agudas na emergência:
A. Crises álgicas:
-Precipitada por desidratação, hipóxia ou infecção.
– Crises dolorosas são as complicações mais frequentes da DF. A localização mais comum das dores são, região lombar, dorsal e ossos longos.
PARA TODOS OS PACIENTES COM DOR | - Avaliar os sinais vitais e saturação de oxigênio. - Oxigenioterapia para manter SaO2 > 95%. - Identificar e tratar qualquer infecção bacteriana que esteja desencadeando a crise álgica. - Avaliar necessidade de internamento para otimização de analgesia. O paciente não pode ir para casa com dor. - Iniciar analgesia nos primeiros 30 minutos. E reavaliar a cada 30 minutos. |
DOR LEVE | - Analgésicos comuns; - Orientar aumento da ingestão hídrica, - Reavaliar em 24horas. |
DOR MODERADA | - Analgesia via endovenosa com opióides fracos como, tramadol 100 mg 6/6 h e analgésicos comuns, como dipirona. - Se não houver melhora, iniciar opioides de maior potência. |
DOR GRAVE | - Opioides de alta potência, como morfina 0,10 mg/kg via endovenosa de 4/4 horas. Avaliar aumento de dose ou dose de resgate a depender da resposta. |
DOR MODERADA E GRAVE | - Hidratação endovenosa – 50ml/kg em 24 horas de SF0,9% ou Ringer lactato. |
B. Síndrome Torácica Aguda (STA):
– É uma condição potencialmente fatal. No atual cenário de pandemia, todos os pacientes com suspeita de COVID-19 também estão em suspeita de STA.
– Critérios Diagnósticos: presença de infiltrado pulmonar novo associado a: febre, dor torácica, hipoxemia, tosse ou dispneia.
– Etiologia: infecção, embolia pulmonar, VOC pulmonar, isquemia coronariana.
– Exames complementares: radiografia de tórax, gasometria arterial, hemograma completo.
– Manejo:
Monitorizar sinais vitais e oximetria de pulso. |
Hidratação endovenosa – 50ml/kg em 24 horas de SF0,9% ou Ringer lactato. |
Oxigenioterapia para manter SaO2 > 95%. |
Antibioticoterapia: Ceftriaxona 2g/dia por 10-14 dias + Azitromicina 500mg/dia por 5 dias. |
Transfundir 1 CH filtrado e fenotipado se Hb cair 1g/dL em relação a Hb basal do paciente. Se Hb basal do paciente > 9g/dL, provavelmente não precisará de transfusão. |
C. Priapismo:
– Definição: ereção persistente e dolorosa do pênis ou clitóris sem associação com desejo ou estimulação sexual.
– Há duas formas: a intermitente e a prolongada.
-Realizar hidratação, analgesia e monitorização, conforme descrito no item A.Crises álgicas.
-Fazer cateterização vesical se paciente com bexigoma.
– Não fazer epinefrina intravenosa.
-Avaliar necessidade de transferência para hospital com serviço de Urologia. Há necessidade de avaliação do urologista caso persista por mais de 04 horas.
D. Colestase intra-hepática aguda:
– Diagnóstico: quadro clínico grave, manifestando-se com hepatomegalia dolorosa, colestase sem evidências de fatores obstrutivos, hiperbilirrubinemia grave, aumento de transaminases e enzimas canaliculares, disfunçao renal e coagulopatia.
– Conduta: analgesia, hidratação venosa, transfundir de forma agressiva para manter HbS< 30%. A transfusão de troca deve ser realizada se Hb>9 g/dL; caso contrário, transfusão simples. Transferência para hospital terciário.
E. Sequestro hepático agudo:
– Diagnóstico: hepatomegalia dolorosa, piora da anemia com reticulocitose, hiperbilirrubinemia leve a moderada, transaminases pouco alteradas.
– Conduta: analgesia, hidratação venosa. Após a resolução do quadro, pode haver um aumento súbito do hematócrito, fenômeno conhecido como sequestro reverso, por isso deve-se evitar transfusões simples em grandes volumes devido o risco de hiperviscosidade quando da resolução do quadro.
F. Síndrome de Hiper hemólise:
– Definição: caracteriza-se pela ocorrência de queda da Hb após a transfusão, chegando a valor menor quando comparado ao pré-transfusional.
– Diagnóstico: Queda da Hb, mesmo após a realização de transfusão, associada a reticulocitopenia.
– Conduta: novas transfusões devem ser evitadas, uma vez que podem causar piora do quadro. Assim, só devem ser realizadas se o paciente apresentar instabilidade clínica. Iniciar prednisona 1mg/kg/dia e solicitar transferência do paciente para hospital terciário para avaliar necessidade de imunoglobulina humana.
G. Acidente Vascular Cerebral Isquêmico:
– Conduta em casos de suspeita de AVCi (fase aguda):
Monitorização de sinais vitais, incluindo oximetria de pulso.
Hidratação e analgesia
Proteção de vias aéreas contra aspiração, se necessário.
Transferência para Hospital Terciário.
Transfusão sanguínea com objetivo de manter os níveis de HbS < 30% e os níveis de Hb entre 8 g/dL e 10 g/dL.
6. Referências Bibliográficas:
1. Sickle Cell Society. Standards for Clinical Care of Adults with Sickle Cell Disease in the UK. 2a. Edição. 2018. http://www.sicklecellsociety.org/
2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Doença falciforme: condutas básicas para tratamento / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada. Brasília : Ministério da Saúde, 2012.
3. Abid R. Suddle. Management of liver complications in sickle cell disease. Management of Sickle cell disease complications beyond acute chest – ASH. 2019
4. Amanda M. Brandow et al. American Society of Hematology 2020 guidelines for sickle cell disease: management of acute and chronic pain. Blood Advances, v. 4, n. 12, jun 2020.
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